Resenha do livro: Diário de Bordo – o legado de Jacques Drouvot - autor Francisco Antônio Cavalcanti

Resenha do livro “Diário de Bordo – o legado de Jacques Drouvot” do autor Francisco Antônio Cavalcanti

“Diário de Bordo – o legado de Jacques Drouvot:” um romance de aventuras?

 

(Neide Medeiros Santos) *

 

Uma obra literária ou, se quiser, a obra de determinada tendência literária, apreende uma parte de certa realidade social e, ao mesmo tempo, constitui uma expressão dessa realidade.

(Dante Moreira Leite. Psicologia e Literatura)

 

A leitura de um romance nos conduz a diferentes caminhos. Há lembranças, experiências, fatos históricos, vivências que o autor carrega no seu imaginário e transporta para o ficcional, isso nos dá muitas vezes a impressão de que se trata de uma história real.

Livros de memórias, biografias, autobiografias e diários sempre estiveram presentes na literatura de todos os tempos e os diários de bordo faziam parte das viagens dos descobrimentos, dos livros de aventuras. Na literatura infantil, encontramos vários livros em forma de diário e alguns alcançaram repercussão internacional como  “O Diário de Anne Frank”.

  “Diário de Bordo – O Legado de Jacques Drouvot” (Chiado Editora, 2015), de Francisco Antonio Cavalcanti, poderia ser considerado um romance de aventuras se fosse apenas isso,  mas constatamos que o livro  vai muito além da mera classificação do gênero. Estamos diante de um historiador, psicólogo, pesquisador,  atento aos mínimos detalhes históricos, às descrições geográficas e dos ambientes. É um escritor que sabe lidar com a construção dos personagens e matizar com eficiência o tempo passado x presente.  

No prefácio, Vicente Serejo afirma que “Diário de Bordo” vem marcado por uma trama envolvente, construída com “momentos de inegável densidade psicológica”, o que pode ser facilmente corroborado com a leitura do livro.

Dividido em vinte e dois capítulos, cada um deles proporciona uma viagem por territórios distintos: dados históricos e geográficos, análise dos personagens, jogos temporais e um enredo que não cansa,  antes é um estímulo para prosseguir  na leitura que sempre tem algo surpreendente para revelar.  Há aspectos dessa engenhosa narrativa que ficarão marcados para sempre na lembrança do leitor e vamos destacar alguns desses momentos  que revelam o grau de aprimoramento técnico do escritor.  

A ação se passa em diversos países e cidades, entre outras, João Pessoa (Praia da Penha), Montreal (Canadá), São Paulo, Nice (França) e no mar. Há fatos que são apresentados com precisão matemática.  Influência profissional?

A cidade de Nice e suas atrações turísticas são decantadas de forma muito poética. A visita de Marcelo e Daphne a esta cidade e o reencontro com os familiares é  inesquecível. O delicioso almoço servido pelos avós de Marcelo que moravam em Nice (um peixe grelhado com legumes ao vapor), regado ao vinho “bourgogne” branco, uma deliciosa sobremesa à base de cerejas, o café acompanhado de um licor produzido em um mosteiro dos Alpes, denota o requintado gosto da família de Marcelo.  O passeio pelas ruas, praças, jardins, museus, ficará gravado para sempre na memória do leitor. É tudo tão vivamente retratado que se tem a impressão de que o autor do livro vivenciou intensamente a bela cidade francesa, o que é verdade.

O hotel Negresco, situado na Promenade des Anglais, avenida Beira-Mar,  em Nice, data do início do século XX, local escolhido pelo casal Marcelo e Daphne na visita à bela cidade da Côte D´Azur.  O hotel  conserva o mesmo luxo da época da inauguração.  

Se o interesse maior do livro reside em desvendar o mistério que envolve o manuscrito de Jacques Drouvot, e isso está afeito aos personagens masculinos, as mulheres do romance ocupam um lugar de destaque, vêm revestidas de um halo de simpatia, a única exceção é Dona Rita, a sogra de Nazaré, uma pessoa amarga e que parece não desejar que a ex-nora volte a ser feliz. (Nazaré é viúva, tem dois filhos e mora com a sogra).

 Daphne, Mireille, Marina, Nazaré e Sofia são portadoras de bons sentimentos e se realizam através do amor e dedicação ao trabalho que executam.

O capítulo XVII – “Enfim, o Encontro” é a concretização  de um amor desejado, sonhado entre um homem e uma mulher.   O encontro amoroso entre Jorge e Nazaré é preparado carinhosamente por Jorge – a seleção musical escolhida – “Adios Nonino”, de Astor Piazzola, um vinho do Porto, um buquê de rosas vermelhas na cama do casal, uma pequena caixa de veludo negro, contendo um anel de ouro branco e um cartão com estes dizeres: “Como prova de quanto te quero”.  É a preparação para o que vem a seguir.  Um momento de beleza indescritível. É a presença da sensualidade lírica.

Após a leitura de “Diário de Bordo – o legado de Jacques Drouvot” consideramos que a classificação “romance de aventuras” é insuficiente para dizer tudo que o livro encerra, daí a interrogação do título do ensaio.

Não poderíamos deixar de fazer referência à bela capa do livro – uma foto com efeitos artísticos de  uma fragata original do século XVIII pertencente ao Museu Náutico de Amsterdã, na Holanda. Atente-se para a cor sépia da capa, tudo condiz com a época do manuscrito de Jacques Drouvot. O retrato do autor que aparece na orelha do livro  retrata essa mesma nau.

Muita coisa ainda está guardada nas páginas desse romance que é um misto de aventura, paixão, amor à pesquisa, relevo aos fatos históricos, conhecimentos náuticos.  

O desfecho do romance guarda surpresas. O desvelamento é tarefa para o leitor.

 

(Neide Medeiros Santos mantém coluna semanal no jornal “Contraponto”- “Livros&Literatura”. É autora de livros teóricos sobre leitura, literatura infantil, memórias de leituras e fotobiografias.  Publicou dois livros para o público infantil).

 

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